Sunday, May 07, 2006

Dorinha, Sr. Matsumoto e o Respeito aos Deficientes

Do pouco que eu conheco, no Japao, ha tres niveis de cabeleireiros, dependendo do servico (e do respectivo preco) que o fregues deseja.
Primeiro, os cabeleireiros de executivos. Eles se localizam proximo aas estacoes, prometem cortes em menos de meia hora, sem tesoura e cobram entre JPY 1.000 e 2.000 (aprox. USD 10 = JPY 1.000). E sentar, colocar o avental, sentir um zum-zum, levantar e pagar. Nao da tempo nem de reclamar, porque ha outro na fila tambem com pressa.
E o servico, claro, justifica o valor e o tempo: inaceitavel para os meus padroes nao la muito rigidos em relacao a vaidade e higiene.
Por outro lado, ha os chamados “saloes de beleza”, em que se paga acima de JPY 5.000 para “cortar as pontas”. Voce passa mais de meia hora esperando na fila (sim, o servico e disputadissimo) e mais meia hora esperando os tres ou quatro especialistas em cada area, que se apresentam em ordem de idade. Um jovem prepara o avental. E lava seu cabelo. Outro um pouco mais adulto massageia seu cabelo. E corta as pontas. Finalmente, um senhor da forma ao corte. De forma inversa, o mesmo cara de meia idade te faz a barba. E o mais jovem limpa o resto.
Enfim, nao se passam menos de uma hora e meia (e cinquenta dolares) em um lugar desses. Claro, ha diversas revistas (devo acrescentar), todas abordando o mesmo assunto que se espera de um “salao de beleza”, em qualquer canto do mundo: fofocas (em japones sobre novelas a que eu nao assisto).
Entre esses dois padroes, ha os cabelereiros, digamos, “intermediarios”. Sao aqueles utilizados por pessoas normais. Como eu. Sao pessoas que prezam tanto por um minimo de higiene tanto quanto por um maximo de dinheiro.
Fui cortar o cabelo. Estava procurando um cabeleireiro que cobrasse menos de JPY 3.000 (porque acho um absurdo um cabeleireiro ganhar mais de tres vezes mais do que eu), que cortasse com tesouras e escutasse o que eu quero para o meu cabelo.
Ja havia uma semana por que eu estava postergando o corte, quando encontrei um cabeleireiro anunciando cortes “normais” por JPY 2.300. Dei uma olhada no local, nos profissionais, na caixinha de esterilizacao (habito tipico da minha geracao pos-HIV), nas toalhas quentes... Afora o preco e a proximidade da estacao, nada estranho.
Entrei. Mas logo ao entrar, fui recebido por um senhor discreto. Sem filas. Os japoneses (pasmem) nao costumam receber um cliente discretamente. Mesmo antes de entrar em qualquer estabelecimento comercial, o profissional costuma gritar um sonoro “IRASSHAIMASE”, cuja traducao mais adequada que eu posso sugerir seria “Venha, estou cheio de energia para te servir!” (embora eu, pessoalmente, ache insuportavel e prefira lojas mais discretas – embora menos competentes, para a opiniao dos japoneses).
Pois bem. O senhor, que ate entao lia um jornal, se dirigiu a mim, pegou minhas coisas e me encaminhou a uma cadeira (as cadeiras dos barbeiros japoneses merecem uma descricao a parte), identificada por uma plaqueta em que se lia “Matsumoto”, supostamente, o nome do tal senhor. Um outro senhor mais idoso nos acompanhava. Este, sim, me assustou com o tal “Irasshaimase”. E me indagou sobre o tipo de corte qeu eu queria. Curioso, respondi. Sem entender porquee eu precisaria do bom velhinho para dizer o que eu queria ao Sr. Matsumoto que me atendera inicialmente (e que parecia ser aquele que cortaria meu cabelo).
E eis que o idoso se vira para o barbeiro e comeca a fazer gestos relativamente faceis de associar ao que eu acabara de dizer. O barbeiro Matsumoto era mudo (Alo, Mamae! Eu sei que nao existem Surdos-Mudos!). Foi uma experiencia muito interessante. De inicio, porque ele nao me encheu o saco, me perguntando se eu havia visto o ultimo jogo de basebal ou com o que eu trabalho. Eu consegui rever toda a licao que havia estudado na aula que tive antes de topar a barbearia, pela primeira vez na cadeira de uma barbearia. Mas, principalmente, porque o cara e muito bom! Com gestos, pedi a ele para endireitar a costeleta, cortar mais curto, navalha aqui e nao la, onde dividir o cabelo e coisas do tipo. Sem problemas. Ao menos ali, a comunicacao nao foi necessariamente verbal.
Mas o mais interessante, foi chegar em casa e comecar a ler os gibis da Turma da Monica! Pela primeira vez (e eu acompanho as aventuras da turma ha mais de quinze anos), apareceu a tao esperada Dorinha! A primeira personagem cega (veja qeu o Humberto, que ja existia na decada de 1980, e mudo). E as dificuldades por que ela passa no bairro do Limoeiro sem poder enxergar.
Nao tenho duvidas de que e muito mais facil ser deficiente no Japao que no Brasil. As ruas tem sinais sonoros e caminhos especiais, corrimaos, as maquinas falam, todos respeitam como se nao fossem deficientes. Deficientes mentais tambem andam pelas ruas sozinhos. Pegam trens, compram coisas. Todos sabem (e os aceitam) como normais. Porque assim o sao. A deficiencia fisica ou mental nao e uma barreira (ao menos tao intensa quanto no Brasil). Ha outras deficiencias muito mais severas e nao respeitadas por aqui, como a preguica ou a pobreza.
Espero que haja muitos pesquisadores brasileiros competentes por aqui estudando como levar essas facilidades para o Brasil. Porque, pelo que tenho estudado, sera necessario um exercito de economistas para conseguir implementar no Brasil um modelo que melhore uma de nossas mairoes deficiencias. E uma deficiencia em que eu desempenho algum papel, por menos relevante que seja. A deficiencia de renda. Tambem conhecida como pobreza.
[Comentarios de estilo tambem sao bem vindos: condensei muitas ideias em um unico texto?]

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

What a great site » » »

April 24, 2007 12:18 AM  

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