Sunday, April 23, 2006

Voce certamente esta brincando, Sr. Feynman!

Excerto do capitulo Lucky Numbers do livro Surely, You’re Joking, Mr. Feynman!, de Edward Hutchings. A estoria ocorre no Brasil e o narrador e o proprio Richard Feynman. Eu traduzi (sem nenhum rigor - se vc entende ingles, em vez de me encher o saco, leia o original!) da versao disponivel online (www.ee.ryerson.ca/~elf/abacus/feynman.html), entao espero nao haver problemas juridicos!
Feynman recebeu o Nobel de fisica e deu aulas na UFRJ, junto a Cesar Lattes, o unico unico brasileiro indicado ao Nobel e, claro, pesquisador da melhor universidade do pais.
O que achei interessante nessa cronica e a relacao entre fins e instrumentos. O Soroban nao e um instrumento para resolver equacoes diferenciais, assim como um martelo nao foi feito para serrar uma tabua. Um profissional precisa ter (e saber como usar) diversos instrumentos. E o bom profissional tambem sabe quando usar cada instrumento. A diferenca e que Feynman conhecia aritmetica. E o japones da estoria nao conhecia calculo integral.
A cronica comeca abaixo.
"Um japones entrou no restaurante. Eu ja o havia visto, em algum lugar por ai. Ele estava vendendo abaco (soroban). Ele comecou a conversar com os garcons e os desafiava: ele disse que poderia adicionar numeros mais rapido do que qualquer um deles.
Os garcons nao se intimidaram e sugeriram: “Por que voce nao desafia aquele fregues?”
O japones me veio ate mim. E eu protestei: “Mas eu nao falo portugues!”
Os garcons riram: “Os numeros sao simples”.
Eles me trouxeram um papel e um lapis.
O japones pediu a um garcom que dissesse alguns numeros para somar. Ele somou mais rapido porque enquanto eu escrevia os numeros, o japones ja os colocava no abaco, somando um atras do outro.
Eu sugeri que o garcons escrevesse duas listas de numeros iguais e entregasse a cada um dos oponentes. Nao foi muito diferente. Ele conseguiu me vencer com certa facilidade.
No entanto, o japones se empolgou: ele queria mostrar que podia ser ainda melhor. “Multiplicacao”, disse.
Alguem escreveu um problema. Ele ganhou, nao por muito, porque eu sou bom com produtos.
Mas o japones depois cometeu um erro: propos divisao. Ele nao percebeu que, quanto mais dificil o problema, maiores as minhas chances.
Nos resolvemos uma longa divisao. Foi um empate.
Isso enfureceu o japones, porque, aparentemente bem treinado no abaco, agora perdia para um mero cliente de um restaurante qualquer.
“Raios cubicos”! Ele disse em vinganca. Raiz cubica. Ele queria calcular raiz cubica usando aritmetica. E dificil encontrar um problema mais dificil dada aritmetica. Deve ter sido um dos grandes desafios para os desenvolvedores da tecnica do “sorobanistica” (licenca do tradutor para a expressao “abacus-land”).
Ele escreveu em um papel um numero qualuqer de que eu ainda hoje me recordo: 1729.03. Ele comecou a calcular, murmurando “Mmmmmmmrrrrmmmm”, trabalhando como um cao! Ele se matava com a raiz cubica.
Um dos garcons me questioou: “O que voce esta fazendo?”
Eu apontei para a minha cabeca e disse: “Pensando”! Eu escrevi entao “12” no papel. Depois de algum tempo, eu ja tinha calculado 12.002.
O japones com seu abaco limpava o suor da testa e disse: “Doze”.
“Ah, nao”! Eu continuei. “Mais digitos! Mais Digitos!” Eu sabia que, em aritmetica, quanto mais digitos, a dificuldade aumenta ainda mais. E um trabalho dificil!
Ele continua murmurando “Rrrrgrmmm...”, enquanto eu adicionava mais dois digitos. Ele chegou finalmente em “12.01”!
Os garcons estavam todos entusiasmados. Eles diziam ao japones: “Veja, ele consegue resolver apenas pensando, e nem precisa de um abaco! E com uma precisao ainda maior”!
O japones estava completamente decepcionado, perdido e humilhado. Os garcons parabenizavam-se.
Como o fregues venceu o abaco?
O numero era 1729.03. Por acaso, eu sabia que um Pe-Cubico (unidade de volume norte-americana) possui 1728 Polegadas-Cubicas (outra unidade de volume), entao, a resposta seria um pouco maior do que 12. O excesso, 1.03 e apenas uma pequena parte dentre quase 2000, e eu aprendi em Calculo que, para pequenas fracoes, esse excesso da raiz cubica e apenas um terco desse excesso. Entao, tudo o que eu tive de fazer foi achar a fracao 1/1728 e multiplicar por 4 (dividir por tres e multiplicar por doze). Entao, eu consegui calcular diversos digitos em pouco tempo.
Algumas semanas depois, o homem mme encontrou em uma festa no hotel em que eu estava hospedado. Ele me reconheceu e perguntou: “Me conta! Como voce conseguiu calcular aquela raiz cubica tao rapido?”
Eu comecei a explicar o metodo de aproximacao e a porcentagem de erro. “Suponha que voce tivesse me pedido a raiz cubica de 28. A raiz cubica de 27 e 3...”
Ele pegou o abaco: “zzzzzzz...” “Ah, sim”, concordou.
Eu entendi algo daquilo: ele nao conhece os numeros. Com o abaco, voce nao precisa memorizar diversas combinacoes aritmeticas; tudo o que voce precisa aprender e empurrar e puxas as pedrinhas. Voce nao precisa memorizar 9+7=16; voce so precisa colocar uma pedra de valor 10 e tirar uma pedra de valor 1. Logo, nos somos mais devagar em aritmetica, mas conhecemos os numeros.
Alem disso, toda a ideia de aproximacao esta muito alem do que ele conhecia, embora uma raiz cubica nao possa ser calculada exatamente atraves de nenhum metodo. No final, eu nao consegui explicar para ele como eu calculei a raiz cubica ou a sorte que eu tive em que ele escolhera o numero 1729.03!"

Sunday, April 09, 2006

Sobre a Leitura de Indicadores

O semaforo e apenas um indicador. Ele simplesmente indica aos motoristas que os motoristas que atravessam a rua perpendicularmente veem o sinal vermelho. E esses outros motoristas deveriam parar. O semaforo nao diz que os outros motoristas vao realmente obedecer e parar. Essa nao e sua funcao.
O mesmo ocorre com a inflacao. Ela apenas reflete a evolucao de uma cesta de precos. Nao necessariamente da cesta de produtos que voce compra mensalmente. Pode ser que o preco dos produtos que voce consome estejam caindo e ainda assim o indicezinho (fdp!) do Jornal Nacional pode continuar a subir. Alem disso, esse numerozinho magico que impede o presidente de “governar” tambem e calculado com base no mes anterior. E apenas um indicador!
E, finalmente, o mesmo ocorre para o humor feminino. Nao ha mulher que simplesmente diga: “nao gostei”. Elas simplesmente ficam quietas e passam a se portar de forma “nao-amigavel”! E cabe aos homens interessados interpretar seu padrao comportamental e a satisfazer. Ou ao menos tentar.
Seja ao observar o farol ao atravessar a rua, o preco do dolar ou o comportamento feminino (ao menos da mulher desejada), um homem minimamente precavido deve sempre ter consciencia de que sao apenas indicadores e, consequentemente, julga-los como tal: eles podem demonstrar algo completamente inusitado.

Saturday, April 01, 2006

"Marinheiro So"

“Marinheiro”. Ao ouvir a palavra, em que você pensa? Antes de seguir a leitura, pense bem. Defina o que você entende pela palavra.
Agora, e ao escutar “Sailor”? O que um americano entenderia? Provavelmente uma pessoa forte e amável como o “Popey”.
O problema é que a literatura e a música brasileira (por exemplo, Marinheiro Só e Minha Estória) parecem ter adicionado um sentido nômade que temos da palavra. Além do caráter nômade, também há um certo sentido de não-pertencimento, como se o marinheiro fosse uma profissão que exigisse abdicar de família ou lar.
Disso, quero dizer que a palavra “marinheiro” em português possui um sentido muito mais amplo do que o simples “funcionário que trabalha em um navio”. E o problema é traduzir esse sentido para o japonês. O equivalente japones para “marinheiro” o define apenas como o tal “funcionario que trabalha em um navio”, isento de qualquer conotacao aventureira ou solitaria.
No caso, uma aluna questionou a letra da música de Caetano Veloso “Marinheiro Só”.
A reação imediata da menina à tradução do título foi: “かわいそう!”. Ou, na traducaopara o portugues mais fiel que conheco, “Coitado! Por que sozinho?! Ele não tem família?” Para o japonês, o marinheiro é um trabalhador como outro qualquer. Ele não precisa disputar a Olívia Palito com o Brutus nem vagar pelo cais a procura de um lar provisorio.