Sunday, August 06, 2006

Madame Borboleta!

Ha cem anos, um compositor italiano escreveu uma opera baseada em um livro frances sobre um americano no Japao. E ainda dizem que a globalizacao e um fenomeno recente.
No caso, entretanto, a opera Madame Butterfly se passa em Nagasaki, porto no sul do Japao (ilha de Kyushu) em que, em 1853, o Almirante (acho que e essa a traducao do ingles commodore) Perry ancorou seus conhecidos navios negros e exigiu a abertura dos portos japoneses ao comercio (esse e um fato historico).
Puccini concebeu Madame Buttefly, a personagem principal, como uma japonesa cujo pai se suicidara (tendo cometido o Seppuku, honrando a tradicao “samurai”) e acabou vendida a uma casa de Geishas (o conceito de Geisha e bastante complexo e nao cabe ser discutido aqui). Um militar americano, Abraham Lincoln Pinkerton, gostou dela e se casaram. Fim do primeiro ato.
Pouco tempo depois, ele e chamado de volta aos Estados Unidos. Durante o periodo em que eles estao separados, Cho-Cho-San (ou Madame Butterfly: Cho-Cho significa borboleta) se separa da sociedade japonesa (“en wo kiru”, na legenda do italiano para o japones disponivel no espetaculo, uma expressao bastante forte) e assume o nome Madame Pinkerton. Desde entao, passa a se portar como como americana, frequentando a igreja crista. Ela tem um filho, sem que o marido saiba. Final do ato dois.
Terceiro ato. O representante americano em Nagasaki, Sharpless, recebe a noticia de que Pinkerton retornaria ao Japao. Casado. Com Kate, uma americana. Pinkerton solicita ao diplomata que repasse a noticia a Madame Borboleta. Ele vai ate Madame Pinkerton. Ela o questiona quando o Pinto-Roxo (um passaro chamado Pinto-Rosso em italiano, cuja traducao para o portugues seria mais proximo de Peito Vermelho, embora tenha se o denominado Koma-Dori em japones e Robin em ingles) faz seu ninho. Sharpless, sem qualquer ideia do motivo da questao, responde desconhecer e desconversa. A esposa de Pinkerton comenta que o almirante prometera retornar antes que o Koma-Dori fizesse seu ninho novamente. Sharpless, como esperado por seu nome, nao consegue dar a noticia.
Pinkerton retorna. A bordo do navio branco Benjamin Franklin. E a aria que valeu os cinquenta dolares: “Adio fiorito asil!”, enquanto o filho do casal brinca com um catavento (sacou Spielberg?). O final, claro, e tipicamente japones, embora tenha sido escrito por um frances. Assista. Voce nao vai se arrepender.
Assisti aa opera sozinho (nao consegui arrastar ninguem!) no quarto andar (tinha que ser! Cinquenta metros de altura e nenhuma protecao, so uma tiazinha desesperada cada vez que o carinha ao meu lado se debrucava sobre a mureta!). Acima de mim, so o teto. Foi tudo o que a bolsa me deixou pagar. Mas consegui assistir. Depois de xingar a mae da recepcionista em tres linguas. Com binoculos de USD 5 e comentarios da senhora que se sentou ao meu lado, uma novata em operas. Mas uma japonesa tipica.
Ela passou o primeiro ato sem entender nada, sem ler as legendas (ilegiveis sem binoculos de onde estavamos) e gostou. Engracado. Ou ela nao entendeu nada ou simplesmente aceitou a peca como mera ficcao, sem nenhuma ironia. Ingenuamente. Cem anos, tres geracoes e duas guerras mundiais depois.
Meus cinquenta dolares ja teriam valido pela aula de sociologia. E tanta coisa que nao sei nem como escrever um texto coerente. Mas a apresentacao foi fenomenal. Os personagens japoneses foram cantados por japoneses. E os americanos pelos melhores nomes da obra de Puccini. Dois italianos. Claro.

Tanabata

Aproveitei a festa japonesa Tanabata (na verdade, e uma festa chinesa tambem comemorada no Japao) para estudar um pouco de astronomia. Diz a lenda que os dois amantes foram separados pelos deuses e (como tambem frequente na cultura indigena) acabaram em constelacoes distintas separadas pelo Rio Branco (Shira-Gawa), por nos conhecido como a Via Lactea.
Dada a minha ignorancia sobre cultura chinesa, entretanto, vou me basear na versao japonesa da lenda.
Diz-se que ha “muito, muito tempo atras” (ou “Ima ha Mukashi”), havia um principe-pastor chamado Kengyu e uma princesa, linda como qualquer princesa, chamada Orihime. Como denuncia seu nome em japones, Orihime tecia fios (como Penelope ou Cinderela – nao vem reclamar do meu portugues!).
Ocorre que os dois se apaixonaram e resolveram se casar – tambem como em qualquer estoria. Para tanto, a princesa Orihime deixaria seu tear para se dedicar aa familia. Seu pai, o imperador Tentei (representado pela Estrela Polar), nao gostou. E os separaram, colocando-os em margens opostas do Shira-Gawa: Orihime (tambem conhecido como Vega na astronomia Greco-Romana) na constelacao de Lira e Kengyu (Altair) em Aguia, ambas visiveis tambem no hemisferio sul (sim, nem toda estrela visivel no norte e visivel no sul).
Por piedade, deixou os dois se encontrarem uma vez por ano, no setimo dia do setimo mes lunar (atualmente celebrado no dia sete de julho do calendario gregoriano, um pouco diferente do luni-solar seguido ainda hoje na China e antigamente no Japao), quando uma carruagem (a Lua, que corta o ceu neste dia entre Vega e Altair) levaria Kengyu a Orihime. Entretanto, se a princesa nao se esforcasse, seu pai faria chover, e a Lua (encoberta pelas nuvens) nao traria seu amante.
Assim, nos dias anteriores ao dia sete de julho, os japoneses escrevem desejos em pedacos de papel e os penderam em bambus devidamente enfeitados, desejando que Tentei nao impeca os amantes de se encontrar (Nos bambus da faculdade, nao faltam papeis desejando notas!).